Consertadores de letras

É uma noite fria e tranquila, já passa das 23:00h.

O moço passa por um cartaz escrito:

PRESÍSA-SE DE CORRETOR – Tel.: 0102.0304 (FAVOR LIGAR)

Ele faz que não vê, continua andando, decide parar, volta e fica olhando e olhando. Resolve ligar. Disca os números e espera chamar...

TUMMM...  TUMMM...  TUMMM ...

- Alô?

-Alô! Com quem eu falo?

-Com Roberta.

- Olá Roberta, tudo bem?

-Tudo.

-É... então, estou vendo aqui um papel escrito: "PRESÍSA-SE DE CORRETOR" 

e com o número de telefone. Então, resolvi ligar. Gostaria de saber de que corretor se trata?

-De casa.Que queira vender casas!

-E tem casa a partir de quanto?

-De 50!

-50 Reais?

-Não, 50 mil reais!

-Ah ok. Até mais então.

-Tá. Tchau!

O moço, não resistindo com o que via no cartaz, ligou novamente...

-Alô, Roberta?

-Sim!!!

-Sou eu novamente, veja bem, é que ao ver o seu anúncio, percebi um erro na ortografia. Está escrito "PRESÍSA-SE" com “S” no "SI" e é com “C”, e também não tem acento agudo no “I”, quem escreveu acabou colocando-o.

-Olha, eu não escrevi para que as pessoas vejam se está certo ou errado e sim para que entendam o que quero.

-Compreendo perfeitamente dona Roberta que a senhora quer apenas que os outros entendam a sua necessidade, mas ao publicar o seu contato nas ruas desta forma, o mesmo serve como cartão de visita do seu negócio, e algumas pessoas ao se interessarem  por comprar ou trabalhar com você, pode fazer um pré-julgamento de que não seja bom o seu produto pelo erro que está ali.

-Você é corretor?

-Não!!!

-Você é o quê?

-Sou estudante, e lembrando que também cometo erros!!!

-Veja bem, eu estou precisando de pessoas que queiram vender casas e não de CONSERTADORES DE LETRAS.

-Entendi dona Roberta. A senhora percebe que só quis ajudar não é? Inclusive vou guardar o seu número, pois pretendo comprar um imóvel no próximo ano, e vou querer dá uma olhada nos seus, ok?

-Sim, muito obrigada!!!

-Ok então, boa noite!

-Boa

(ponto final por extenso)

Entra e sai!!!

Tem gente que passa por mim e não me enxerga. Uns até olham para mim, mas quando olho para eles, parecem que estão em um outro lugar. A maioria perdidos em seu infinito universo de prazer ou desconforto, depende da posição.  Afinal, quem passa por mim, não pensa em outra coisa, a não ser, por para fora o que está sentindo. Outros tantos fazem de mim o que uma pessoa fissurada por tatuagens e palavras gostaria de fazer: Riscam e escrevem em meu corpo, e pior, nunca escrevem para mim, sempre para os outros.

E vou te contar, viu: é cada coisa, que às vezes não sei onde estão com a cabeça. Ahh!, se você encontrar alguma redundância na descrição sobre mim, eu não me importo, muitos deveriam se cansar de usar o meu corpo para serem tão redundantes.

Não vou revelar quem sou por agora, logo mais, deixarei alguns “pedacinhos de pão” pelo chão e aí direi quem sou.

Muitas das minhas amigas tiveram a sorte de serem postas em lugares mais respeitados, onde as pessoas jamais ousariam marcar seus corpos. Eu não tive essa sorte. Todos os dias sou usada como pombo correio. O que tem de diferente, é que não preciso voar, e o receptor é quem vem buscar a mensagem.

Se você passar a me enxergar, pode até encontrar umas do tipo:

Não dou nada que seja seu, então não se preocupe comigo e vá cuidar do seu.

Aqui só tem viado.

Isto é uma degradação!!!

Jesus abençoe a todos.

Neste lugar sagrado,

Toda vaidade se acaba. 

O mais covarde se esforça,

E o mais valente se caga.

Aqui termina a obra de um grande cozinheiro.

Lá fora tu podes ser um "brabo", aqui dentro você é um cagão.

Estou aqui todos os dias a partir das 19:00h, se quiser me conhecer o meu MSN é paulinhoalmeida1955hahahabaladeicekiss19cm@hotmail.com

Repito: aqui só tem viado.

Se você não gosta da brincadeira, não participe e deixe os outros se divertirem em paz.

Parem de escrever aqui.

Vá se fudê.

Isto é meramente impossível.

Pois é, acho que se o marceneiro que me fez e o pintor que me pintou me vissem desse jeito, toda marcada, eu morreria de vergonha.  Às vezes, as minhas amigas zeladoras vêm e nos limpam. Mas já faz muito tempo que elas não passam a bucha aqui.

Eu e muitas amigas, até aquelas que não precisam, usamos uma tática muito perspicaz para constranger todos que passam por nós, que é de estarmos sempre a um e meio ou dois palmos do chão. Nós nos divertimos muito com isso. Como somos “bandidas e maléficas”!!! 

Se o pezinho do indivíduo estiver apontado em minha direção é o número dois que ele está fazendo, se o calcanhar estiver apontado para mim é número um. O mais engraçado é quem tenta se esconder para não mostrar ao vizinho que está no número dois.

Acho que vocês já devem ter “sacado” quem sou eu. A minha vida poderia ser melhor se não me incomodassem tanto. Por mim passam, quase sempre, pessoas falando sozinhas, brigando, conversando, transando, brincando, se cagando, se mijando e até tuitando.

Enfim, sem mais conversa, moro nas vias públicas da vida e, pra quem não me conhece, sou A Porta do Banheiro e, da próxima vez que você passar por mim, lembre-se: tenha mais respeito.

Ass. Uma porta Revoltada

(ponto final por extenso)

De passagem

Eu me sentei.

Eu estou do lado onde o sol está batendo.

Eu estou vendo uma senhora em pé e um jovem sentado lá na frente.

Eu vejo uma discussão.

CreckCreckCreck Piii.

Eu vejo um carro passando lá fora.

Eu vejo uma mulher brigando com o condutor.

Eu vejo uma criança vomitando.

CreckCreckCreck Piii.

Eu ouço um bom dia.

Eu vejo um casal se beijando.

Eu vejo uma mão na bolsa do outro sem ele ver.

PiiiPiii CreckCreckCreck Piii.

PiiiPiii CreckCreckCreck Piii.

Eu vejo duas pessoas entrando.

Eu vejo o dinheiro de um faltando e o outro deixando ele passar.

Eu sinto uma parada brusca e tudo balançando.

CreckCreckCreck Piii.

CreckCreckCreck Piii.

CreckCreckCreck Piii.

CreckCreckCreck Piii.

Eu percebo que está ficando cheio.

Eu ouço uma voz de assalto.

Eu vejo uma pessoa orando.

Eu vejo tudo balançando.

Ele freou.

Eu abro os olhos.

Eu estava dormindo.

Eu puxo a corda.

O meu ponto chegou

(ponto final por extenso)

cor do tempo.

a cor do tempo passando é azul claro

(ponto final por extenso)